Aprendizado Autossupervisionado e Modelos Autorregressivos em LLMs Pré-Transformer

Publicado em 2 de setembro de 2025

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Introdução

A evolução dos Large Language Models (LLMs) representa um dos avanços mais significativos no campo da inteligência artificial e do Processamento de Linguagem Natural (PLN). Antes da ascensão das arquiteturas baseadas em Transformer, que dominam o cenário atual com modelos como ChatGPT e Gemini, a fundação para o aprendizado de representações de linguagem em larga escala foi estabelecida por conceitos como o aprendizado autossupervisionado e os modelos autorregressivos. Este artigo técnico visa explorar esses pilares conceituais, detalhando seu funcionamento e a relevância que tiveram na pavimentação do caminho para os LLMs contemporâneos.

O Conceito de Aprendizado Autossupervisionado

O aprendizado autossupervisionado (Self-Supervised Learning - SSL) é uma técnica de aprendizado de máquina que se destaca por sua capacidade de gerar sinais de supervisão a partir dos próprios dados de entrada, sem a necessidade de rótulos anotados por humanos. Em domínios como o Processamento de Linguagem Natural (PLN), onde a obtenção de grandes volumes de dados rotulados é inviável e extremamente custosa, o SSL provou ser uma abordagem revolucionária. Para LLMs, que exigem treinamento em quantidades massivas de texto, a rotulagem manual seria humanamente impossível.

Nesse paradigma, o modelo é treinado para resolver uma

tarefa de pretexto (pretext task) onde a supervisão é intrínseca aos dados. Por exemplo, em modelos de linguagem, uma tarefa comum de pretexto é prever a próxima palavra em uma sequência, ou preencher lacunas em um texto. Ao realizar essas tarefas, o modelo aprende representações ricas e contextuais dos dados, que podem então ser transferidas para tarefas downstream com ou sem supervisão adicional.

Modelos Autorregressivos

Modelos autorregressivos (AR) são uma classe de modelos estatísticos e de aprendizado de máquina que preveem o próximo valor em uma sequência com base em uma função linear dos valores anteriores. No contexto de LLMs, isso significa que a previsão de um token subsequente (palavra, subpalavra ou caractere) é condicionada pelos tokens que o precederam na sequência. A essência dos modelos AR reside na hipótese de que a probabilidade de um elemento $x_t$ em uma sequência depende exclusivamente dos elementos anteriores $x_{<t} = (x_1, x_2, ..., x_{t-1})$.

Essa dependência sequencial é o que permite que esses modelos capturem a estrutura temporal e as relações contextuais inerentes à linguagem natural. Ao contrário de modelos que processam entradas de forma independente, os modelos autorregressivos constroem uma compreensão do contexto à medida que a sequência se desenrola, permitindo previsões mais coerentes e contextualmente relevantes. A supervisão para o treinamento desses modelos não provém de rótulos externos, mas sim da própria estrutura sequencial dos dados: o "rótulo" para um dado token é simplesmente o token seguinte na sequência.

O Algoritmo de Treinamento de Modelos Autorregressivos

O treinamento de modelos autorregressivos para LLMs, utilizando o paradigma do aprendizado autossupervisionado, segue um algoritmo bem definido que permite ao modelo aprender as dependências sequenciais sem a necessidade de rótulos explícitos. O processo pode ser esquematizado nas seguintes etapas:

1.Entrada: O algoritmo recebe uma sequência de dados não rotulados, tipicamente um corpus de texto extenso. Esta sequência serve como a fonte primária de aprendizado, onde a estrutura interna e as relações estatísticas da linguagem serão descobertas.

2.Tarefa de Pretexto (Pretext Task): Para cada posição $t$ na sequência de entrada, o modelo é desafiado a prever o próximo elemento $x_t$. Para isso, ele recebe como entrada os elementos anteriores da sequência, $x_{<t} = (x_1, x_2, ..., x_{t-1})$, que funcionam como o contexto. Esta é a essência da natureza autorregressiva: a previsão é sempre condicionada ao histórico.

3.Saída do Modelo: Geralmente, o modelo produz uma distribuição de probabilidades sobre todos os possíveis valores que o próximo elemento $x_t$ pode assumir. Por exemplo, se o vocabulário for composto por 50.000 palavras, a saída será um vetor de 50.000 probabilidades, indicando a chance de cada palavra ser a próxima na sequência.

4.Cálculo da Perda (Loss Calculation): A perda é calculada comparando-se a distribuição de probabilidades prevista pelo modelo com o elemento real $x_t$ da sequência. Funções de perda como a entropia cruzada são comumente utilizadas para quantificar a discrepância entre a previsão do modelo e a realidade. Uma perda menor indica que o modelo fez uma previsão mais precisa.

5.Otimização: Os parâmetros internos do modelo (pesos e vieses das redes neurais, por exemplo) são ajustados iterativamente para minimizar a perda calculada. Isso é tipicamente realizado através de algoritmos de otimização baseados em gradiente, como o Gradiente Descendente Estocástico (SGD) ou suas variantes (Adam, RMSprop). A otimização ocorre ao longo de muitas sequências de treinamento e épocas, permitindo que o modelo refine continuamente sua capacidade de prever o próximo elemento com base no contexto.

Ao final deste processo iterativo, o modelo terá aprendido a capturar as dependências sequenciais e as estruturas estatísticas presentes nos dados de treinamento de forma eficaz, tudo sem a necessidade de rótulos explícitos. Este aprendizado intrínseco é o que confere aos modelos autorregressivos sua capacidade de gerar texto coerente e contextualmente relevante.

A Base Matemática dos Modelos Autorregressivos

A formalização matemática dos modelos autorregressivos em LLMs é centrada na probabilidade condicional. A probabilidade de uma sequência inteira de tokens, $P(X) = P(x_1, x_2, ..., x_T)$, onde $T$ é o comprimento da sequência, pode ser decomposta utilizando a regra da cadeia de probabilidades. Esta decomposição é fundamental para entender como os modelos autorregressivos operam:

P(x1,x2,...,xT)=∏t=1TP(xt∣x<t)P(x_1, x_2, ..., x_T) = \prod_{t=1}^{T} P(x_t | x_{<t})P(x1,x2,...,xT)=∏t=1TP(xt∣x<t)

Nesta equação:

  • $P(X)$ ou $P(x_1, x_2, ..., x_T)$: Representa a probabilidade da sequência inteira. Este valor quantifica a chance de todos os elementos, de $x_1$ a $x_T$, ocorrerem juntos e na ordem específica. O objetivo final do modelo é ser capaz de calcular este valor, indicando o quão "realista" ou provável é uma determinada sequência.
  • $\prod$ (Símbolo de Produto): Indica que estamos multiplicando uma série de termos. Os índices $t=1$ (inferior) e $T$ (superior) denotam que a multiplicação começa com o primeiro elemento e se estende até o último.
  • $P(x_t | x_{<t})$: Este é o termo central e o coração do modelo autorregressivo. Ele representa a probabilidade do elemento $x_t$ (o elemento na posição atual $t$ que o modelo tenta prever) ocorrer, dado que já observamos todo o contexto anterior $x_{<t}$. O contexto $x_{<t}$ é a subsequência de todos os elementos que precedem $x_t$, ou seja, $(x_1, x_2, ..., x_{t-1})$. O símbolo "$|$ " significa "dado que" ou "condicionado a".

A hipótese "autorregressiva" reside precisamente na premissa de que a probabilidade de cada elemento $x_t$ depende apenas dos elementos anteriores na sequência. O trabalho do modelo de IA é aprender a calcular eficientemente o termo $P(x_t | x_{<t})$ para qualquer passo $t$. Através do treinamento iterativo, o modelo ajusta seus parâmetros para que essa probabilidade condicional seja o mais precisa possível, permitindo-lhe gerar sequências de texto que são estatisticamente consistentes com os dados de treinamento.

Conclusão

Os modelos autorregressivos, impulsionados pelo aprendizado autossupervisionado, foram cruciais para o desenvolvimento inicial dos Large Language Models. Eles demonstraram a viabilidade de treinar modelos de linguagem em vastos conjuntos de dados não rotulados, extraindo conhecimento intrínseco da estrutura sequencial da linguagem. A capacidade de prever o próximo token com base no contexto anterior, formalizada pela probabilidade condicional, permitiu que esses modelos aprendessem representações de linguagem ricas e contextuais.

Embora as arquiteturas Transformer tenham subsequentemente revolucionado o campo com sua capacidade de processar sequências em paralelo e capturar dependências de longo alcance de forma mais eficiente, os princípios fundamentais estabelecidos pelos modelos autorregressivos e pelo aprendizado autossupervisionado permanecem no cerne de muitos LLMs modernos. A compreensão desses fundamentos é essencial para qualquer profissional ou pesquisador que deseje aprofundar-se na inteligência artificial e no processamento de linguagem natural, pois eles representam a base sobre a qual as inovações atuais foram construídas.